segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Tootsie (1982)

[Postado por Gian]
Em "Quanto Mais Quente Melhor", a comédia de Billy Wilder considerada a melhor de todos os tempos, dois músicos desesperados (Jack Lemmon e Tony Curtis) se transvestem de mulher e se infiltram em uma banda feminina para fugir de mafiosos. A obra de Wilder merece a primeira posição de melhor comédia que recebeu pela AFI, o filme possui um timing perfeito, com atuações hilárias dos protagonistas e um ótimo enredo. Quase vinte e três anos depois outra comédia com uma vertente bastante semelhante ganharia o segundo lugar na lista, um filme que colocou o diretor Sidney Pollack no hall dos cineastas titulares da época e deu a Dustin Hoffman um dos melhores papéis de sua carreira.

"Tootsie" conta a história de Michael Dorsey (Hoffman), um ator desesperado que não consegue emprego devido ao seu perfeccionismo e excesso de questionamento quanto aos papéis que para ele são dados. Ele mora com seu simpático amigo e escritor de peças teatrais Jeff Slater (Bill Murray) e tem uma amiga, Sandy Lester (Teri Garr), também atriz que sofre por causa de sua insegurança em demasia e confusão de sentimentos. Jeff possui uma promissora peça de teatro no papel, mas não pode ser realizada porque não possui grana para tal empreendimento. Quando o agente de Michael, George Fields (interpretado pelo próprio Pollack) se recusa a ajudá-lo em busca de novos papéis, o ator tem uma idéia luminosa: se transvestir de mulher para estrelar num programa de TV, uma espécie de telenovela médica. Michael agora é Dorothy Michaels, uma mulher de meia-idade que se veste de um modo puritano, mas com idéias revolucionárias para o programa.

Antes da chegada de Dorothy, a telenovela tinha aspectos machistas, mostrando médicos assediando enfermeiras que aceitavam tudo passivamente, principalmente a enfermeira interpretada por Julie Nichols (Jessica Lange). A situação de Julie na vida real não é muito diferente: o diretor da telenovela, Ron Carlisle (Dabney Coleman), é um mulherengo que está envolvido com a atriz, mas não quer nada sério, já Julie, que é mãe solteira, está confusa em relação a Ron, mesmo sabendo seu jeito de ser, ela projeta no diretor a chance de uma vida mais segura e menos solitária. Como era de se esperar, o envolvimento de Srta. Michaels na telenovela e na vida de Julie vai criar uma onda de confusões tremendas, todas repletas de situações inspiradoras e engraçadíssimas.

Enquanto "Quanto Mais Quente Melhor" foi filmado em preto-e-branco (para frustração de Marilyn Monroe) para garantir maior convencimento sobre o aspecto feminino de Lemmon e Curtis – e cenas em cores dos bastidores comprovam que os atores se pareceriam muito mais com palhaços do que com mulheres se o filme não tivesse sido filmado em P&B - Dustin Hoffman convence o espectador com sua Dorothy a cores. Hoffman cria uma perfeita dualidade em sua personagem, misturando aspectos conservadores (como suas roupas, cabelo e trejeitos) com feministas numa atuação engraçadíssima, e é esse feminismo que garantirá sucesso a grande farsa. Em uma época onde o feminismo era repensado dentro do âmbito dos papéis sociais do gênero, Dorothy vira uma representante da mulher americana, suas atitudes determinadas contra o abuso masculino (todas improvisadas, deixando o diretor e os produtores à beira da loucura) servem como inspiração para as mulheres no país afora. Essa transformação para um ícone nacional é feita de uma forma bastante divertida, mostrando Dorothy sendo fotografada para várias capas de revistas encarnando vários papéis, desde uma vaqueira, passando pela pop-art (com direito a posar ao lado de uma sósia de Andy Warhol) até a sua imagem mais conhecida, com um vestido brilhante e vermelho e a bandeira dos EUA ao fundo.

Diferente do sucesso na telenovela, a vida pessoal de Michael fica cada vez mais enrolada. Isso porque ele se apaixona por Julie, que vê em Dorothy uma grande amiga e confidente, e ainda vai ter que lidar com a paixão do pai da atriz por Dorothy, Leslie Nichols (Charles Durning), um homem viúvo e simpático que nem em sonho desconfia da verdadeira identidade de sua amada. Essas situações onde há paixões inusitadas são terrenos-seguro para esse tipo de comédia, se claro, houver um bom entrosamento entre os personagens junto com situações pelo menos aparentemente críveis (como também já vistas na obra de Wilder).

É perceptível a diversão de Hoffman ao interpretar esse papel, tanto que o nome "Tootsie" foi idéia do próprio ator, que era chamado desse jeito por sua mãe quando criança. Enquanto Jack Lemmon se divertia olhando no espelho e se maquiando, Hoffman foi à escola de seu filho vestido de Dorothy para testar a eficácia do disfarce. Jessica Lange levou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, e ela está realmente ótima, mostrando toda a insegurança e doçura de Julie. Porém Teri Garr não fica atrás, ela, que também concorreu junto com Lange, faz uma atriz frustrada brilhantemente exagerada, sem ser caricata, gerando assim grande simpatia com o público. A obra ainda conta com as boas participações de Bill Murray e seu sarcasmo natural (ele improvisou todas as suas falas) e Geena Davis.

Com uma direção correta de Sidney Pollack, "Tootsie" se apóia principalmente nas atuações impecáveis e nas situações inteligentes - tão copiadas hoje em dia, que alguns podem vê-lo como um filme cheio de clichês, porém é uma grande comédia, que mescla humor descompromissado com questões mais sérias - como o próprio machismo existente nos programas de TV. Pena que hoje em dia os filmes que exploram homens transvestidos, como "As Branquelas", não sigam o alto padrão da produção de Wilder e de Pollack, ou pelo menos algum padrão aceitável.