quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Clamor do Sexo (Splendor in the Grass) 1961

[Postado Por Gian]Elia Kazan é um dos maiores diretores norte-americanos de todos os tempos, suas obras são magníficas, abordando sempre temas polêmicos e relevantes.

Citando alguns de seus melhores trabalhos, "A Luz é Para Todos" aborda o anti-semitismo, trazendo Gregory Peck como um jornalista que se passa por um judeu; "Sindicato de Ladrões" tem um tema político, estrelando Marlon Brando como um ex-boxeador que luta contra um sindicato de corruptos; "Vidas Amargas" retrata o drama de um jovem (James Dean) e sua dificuldade de relacionamento com o pai e "Uma Rua Chamada Pecado", com certeza o seu filme com o maior peso dramático, é a película com aspectos bastante semelhantes ao filme criticado aqui, sexualmente falando.

"Clamor do Sexo", depois de "Uma Rua", é o filme mais polêmico de Kazan. Os belíssimos Bud (Warren Beatty) e Deani (Natalie Wood) são jovens que formam um casal apaixonado no final dos anos 20, um ano antes da Grande Depressão. Bud é herdeiro de uma grande companhia de petróleo, já Deani é filha de um doceiro, mas a diferença econômica não é nem de longe o principal fator que vai interferir em seu relacionamento. E qual é então o fator principal? O simples e puro desejo sexual. Ora, estamos falando dos anos 20, uma época em que uma garota 'de família' não podia nem cogitar a idéia de transar com seu namorado antes do casamento, por mais que o desejo aflorasse. Na verdade, o desejo da mulher tinha que ser totalmente reprimido, como diz a mãe de Deani à filha: - Só fazemos essas coisas para satisfazer os nossos maridos, para reprodução. A mulher não sente tanta vontade quanto o homem. Com esse diálogo, vemos que realmente muita coisa mudou em menos de cem anos, e a década de 20 seria o ponto de partida para as grandes mudanças ocorridas nesse século.

Devido à essa repressão sexual, Bud começa a ficar cada vez mais e mais frustrado, ele ainda tem que enfrentar o dilema entre ir para faculdade e casar com Deani só depois da graduação, ou continuar na cidade e trabalhar como fazendeiro. Ele também sofre uma forte pressão por parte de seu pai, que deseja ter um filho estudado, típicos dilemas da época que ainda persistem de alguma forma. Para completar, Bud tem uma irmã que é a ovelha negra da família, o oposto de Deani, ela não liga para o que os outros pensam e não tem medo de satisfazer seus desejos, em 1928, uma verdadeira promíscua.

As atuações são um dos maiores pontos fortes do filme, e não era de se esperar por menos, vindo de um verdadeiro diretor de atores. Em "Uma Rua Chamada Pecado", Marlon Brando e Vivien Leigh dão um show de intepretação, nesse o desejo sexual entre os dois é claro e confuso ao mesmo tempo, não há amor entre os dois, apenas um desejo carnal e um ódio espiritual. O diretor também tira o melhor de James Dean em um de seus únicos três filmes, Dean é mais que convincente na pele de um jovem atormentado por sua família. Estudante ilustre do Método Strasberg, Kazan desenvolveu com seus atores (principalmente Dean e Brando, esse último consagrado em "Uma Rua") um modo peculiar (para a época) de interpretação: falando de uma maneira mais superficial, o método consistia em fazer com que o ator resgatasse sentimentos (bons ou ruins) de seu passado e assim usá-los em prol do papel que estaria interpretando; um método muito controverso, recebendo pesadas críticas de grandes atores como, por exemplo, o shakesperiano Laurence Olivier, mas isso é outra história.

Em "Clamor", ele dá para Warren Beatty o seu primeiro papel de destaque, e o jovem ator se sai muito bem, mas é Natalie Wood, que já tinha provado ser uma grande atriz no eterno musical "Amor, Sublime Amor" e em "Juventude Transviada, que rouba o filme. A sua depressão gradativa por conta do afastamento de Bud (seu desejo fala mais alto e ele vai procurar outra garota para satisfazê-lo) é impressionante. Esse aspecto não deixa de ser um pouco forçado por parte de Willian Inge, o roteirista, que exagera melodramaticamente ao internar Deani num hospício. O exagero é ainda maior, pois não nos é mostrado claramente o afastamento do casal, quando percebemos, Deani já está berrando histericamente na banheira de sua casa, ainda bem que Wood trabalha com muita competência, e assim acaba nos convencendo e tornando tudo o mais próximo do real. O elenco mais velho também está ótimo, destaque para Pat Hingle que interpreta "Bud's old man", Hingle possuía um carisma natural mesmo quando interpretava personagens mais duros, como o "Old Man" em "Gata em Teto de Zinco Quente".

Um paralelo interessante pode ser feito com "Vidas Amargas" no que diz respeito à relação pais e filhos, em "Vidas" o sofrimento do joven interpretado por James Dean é diretamente proporcional à indeferença do pai; já em "Clamor" não há culpados, a mãe de Deani apenas a criou como a sua mãe a tinha criado, e assim sucessivamente (um fator explícito na obra em um belo diálogo), era simplismente a cultura da repressão sexual que predominava nas famílias.

A partir daí o romance acaba e o enredo segue outro rumo. Bud decide-se por ir à faculdade, mas não consegue terminar nem o primeiro ano devido ao seu desajustamento no ambiente acadêmico (- Sempre achei que não são todos que devem frequentar uma universidade, diz o reitor de Yale). Deani se apaixona por um jovem no centro psiquiátrico e quando entramos em 29, a crise financeira mundialmente conhecida afeta às duas famílias, causando um dano trágico para uma delas. Mesmo que parte da tragédia da película seja por conta dessa crise (outro aspecto mal explorado, ainda que não seja o tema principal), é impossível não termos a impressão que todos os acontecimentos são desencadeados pela repressão sexual dos jovens. As frustrações, os medos, as inseguranças, tudo é aumentado por causa disso, no começo de um século que mudaria completamente o jeito de pensar do Ocidente.

Com uma direção correta, filmando algumas cenas com ângulos fora do tradicional (mas já usados em "Vidas"), Kazan é ousado em dirigir uma obra com temas fortes e pouco mostrados no Cinema ainda nos anos 60. Essa década serviu como caminho para o Cinema da década seguinte, que definiria os padrões da Sétima Arte até hoje, os anos 60 estavam aos poucos se libertando das amarras, abandonando as ingenuidades e hipocrisias dos anos anteriores, como o Código Hays (que afetou drasticamente o roteiro original de obras como "O Pecado Mora ao Lado", por exemplo). Um clássico importante tanto no seu aspecto artístico quanto histórico.


"What though the radiance which was once so bright
Be now for ever taken from my sight,
Though nothing can bring back the hour
Of splendour in the grass, of glory in the flower;
We will grieve not, rather find
Strength in what remains behind..."

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O Show Deve Continuar (All That Jazz) - 1979

[Postado Por Gian]

O gênero musical entrou em decadência no final dos anos 60. A partir da década de seguinte Hollywood abriria mão dessas produções glamorosas e muitas vezes um tanto ingênuas para dar lugar a filmes com uma vertente mais pessimista, 'suja', política e consequentemente mais realista. A época de Ouro tinha se acabado. Entretanto, esse gênero não desapareceu por completo, em meados da década de 70 alguns bons exemplares foram produzidos, impulsionando assim a válida tentativa de não enterrar esse gênero que marcou a indústria cinematográfica, e um desses bons exemlos foi "All That Jazz".

Dirigido pelo escritor/diretor/coreógrafo Bob Fosse, a trama é um relato quase autobiográfico do próprio diretor, na tela interpretado por Roy Scheider. Joe Gideon (Scheider) é um coreógrafo perfeccionista que está produzindo um grande musical, mas ao mesmo tempo vive uma vida regrada de anfetaminas, cigarros e mulheres; entre os vários ensaios para a peça, Joe passa por poucas e boas em virtude dos vícios e do alto estresse, principalmente pelo fato de exigir demais de si mesmo.

"All That Jazz" não é um musical convencional por várias razões. A primeira delas e também a mais marcante é que a maioria dos números musicais nos são apresentados durante os ensaios frustrados coreografados por Joe, não há glamour nas roupas dos dançarinos ou nos cenários, há apenas o trabalho árduo e a beleza de seus corpos suados, com certeza esse é um aspecto revolucinário do gênero, que se esquivou da maneira como os musicais eram produzidos nas décadas anteriores, onde os números eram perfeitos e os dançarinos não derrubavam uma gota de suor. Outro motivo por esse ser um filme que marcou uma nova etapa do gênero é o fato de que os números dançantes não se sobrepõem a trama em si, muito pelo contrário, a vida cheia de prazeres (e sofrimentos) carnais de Gideon é retratada com muita solidez, não servindo como apenas um pretexto para os números musicais (diferente do que acontecia na época de Ouro de Hollywood quando em muitas ocasiões tínhamos enredos pífios, como nos filmes de Minnelli).

Mesmo sendo um musical, o filme pode se encaixar perfeitamente na onda pessimista (e realista) que dominou o Cinema a partir da década de 70. Logo na primeira cena vemos Joe conversando com o Anjo da Morte (Jessica Lange no auge de sua beleza), os dois falam sobre a vida do coreógrafo, fazendo um mapeamento de sua vida, Gideon não parece estar arrependido de nada. Esse aspecto negativo é bastante reforçado nas repetidas cenas onde Joe toma suas pílulas, coloca um colírio, toma banho com um cigarro na boca e logo depois se olha no espelho e diz: "Hora do show!".

O espectador pode perceber óbvias referências as obras de Fellini na película de Fosse, a mais evidente é como ele realiza de uma forma fantástica a mistura de realidade com fantasia, por exemplo, nas cenas com o Anjo da Morte ou quando ele relembra a juventude (outro aspecto parecido com o do filme de Fellini), com certeza a obra do diretor italiano de maior referência é "Oito e meio", que possui um enredo parecido com o do musical. Ambos mostram um diretor frustrado com sua vida pessoal e artística, em que não consegue achar inspiração para sua obra.

Roy Scheider está maravilhoso, com uma expressão sempre dividida entre os prazeres e a insatisfação, ele consegue com sucesso passar para o espectador a vida instável de um artista genial, onde há (quase) sempre um preço a se pagar. Jessica Lange também se mostra competente ao contracenar com Scheider, como se ela fosse sua psicanalista ou apenas uma amiga misteriosa. Destaque também para Ann Reinking, que interpreta um dos affairs de Joe, ela e a filha pequena do diretor brilham em todo o filme, porém na cena onde as duas fazem um número improvisado para animar o estressado artista é simplesmente maravilhosa. E nada de glamour!

"All That Jazz" é isso, um musical realista e um dos responsáveis pela sobrevivência do gênero. Uma obra muito bem dirigida por Bob Fosse e com uma ótima edição, sem prolongar desnecessariamente as cenas que poderiam se tornar piegas.

Na década de 80 e 90 foram produzidos pouquíssimos musicais relevantes, apenas agora na virada do século é que houve uma nova injeção de ânimo e criatividade, com obras inspiradíssimas como "Moulin Rouge" e "Chicago" (com o glamour todo de volta), só nos resta esperar para ver se mais idéias criativas produzirão essas películas cantantes e dançantes que marcaram tanto a história de Hollywood, com suor e realismo ou não.