quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O Show Deve Continuar (All That Jazz) - 1979

[Postado Por Gian]

O gênero musical entrou em decadência no final dos anos 60. A partir da década de seguinte Hollywood abriria mão dessas produções glamorosas e muitas vezes um tanto ingênuas para dar lugar a filmes com uma vertente mais pessimista, 'suja', política e consequentemente mais realista. A época de Ouro tinha se acabado. Entretanto, esse gênero não desapareceu por completo, em meados da década de 70 alguns bons exemplares foram produzidos, impulsionando assim a válida tentativa de não enterrar esse gênero que marcou a indústria cinematográfica, e um desses bons exemlos foi "All That Jazz".

Dirigido pelo escritor/diretor/coreógrafo Bob Fosse, a trama é um relato quase autobiográfico do próprio diretor, na tela interpretado por Roy Scheider. Joe Gideon (Scheider) é um coreógrafo perfeccionista que está produzindo um grande musical, mas ao mesmo tempo vive uma vida regrada de anfetaminas, cigarros e mulheres; entre os vários ensaios para a peça, Joe passa por poucas e boas em virtude dos vícios e do alto estresse, principalmente pelo fato de exigir demais de si mesmo.

"All That Jazz" não é um musical convencional por várias razões. A primeira delas e também a mais marcante é que a maioria dos números musicais nos são apresentados durante os ensaios frustrados coreografados por Joe, não há glamour nas roupas dos dançarinos ou nos cenários, há apenas o trabalho árduo e a beleza de seus corpos suados, com certeza esse é um aspecto revolucinário do gênero, que se esquivou da maneira como os musicais eram produzidos nas décadas anteriores, onde os números eram perfeitos e os dançarinos não derrubavam uma gota de suor. Outro motivo por esse ser um filme que marcou uma nova etapa do gênero é o fato de que os números dançantes não se sobrepõem a trama em si, muito pelo contrário, a vida cheia de prazeres (e sofrimentos) carnais de Gideon é retratada com muita solidez, não servindo como apenas um pretexto para os números musicais (diferente do que acontecia na época de Ouro de Hollywood quando em muitas ocasiões tínhamos enredos pífios, como nos filmes de Minnelli).

Mesmo sendo um musical, o filme pode se encaixar perfeitamente na onda pessimista (e realista) que dominou o Cinema a partir da década de 70. Logo na primeira cena vemos Joe conversando com o Anjo da Morte (Jessica Lange no auge de sua beleza), os dois falam sobre a vida do coreógrafo, fazendo um mapeamento de sua vida, Gideon não parece estar arrependido de nada. Esse aspecto negativo é bastante reforçado nas repetidas cenas onde Joe toma suas pílulas, coloca um colírio, toma banho com um cigarro na boca e logo depois se olha no espelho e diz: "Hora do show!".

O espectador pode perceber óbvias referências as obras de Fellini na película de Fosse, a mais evidente é como ele realiza de uma forma fantástica a mistura de realidade com fantasia, por exemplo, nas cenas com o Anjo da Morte ou quando ele relembra a juventude (outro aspecto parecido com o do filme de Fellini), com certeza a obra do diretor italiano de maior referência é "Oito e meio", que possui um enredo parecido com o do musical. Ambos mostram um diretor frustrado com sua vida pessoal e artística, em que não consegue achar inspiração para sua obra.

Roy Scheider está maravilhoso, com uma expressão sempre dividida entre os prazeres e a insatisfação, ele consegue com sucesso passar para o espectador a vida instável de um artista genial, onde há (quase) sempre um preço a se pagar. Jessica Lange também se mostra competente ao contracenar com Scheider, como se ela fosse sua psicanalista ou apenas uma amiga misteriosa. Destaque também para Ann Reinking, que interpreta um dos affairs de Joe, ela e a filha pequena do diretor brilham em todo o filme, porém na cena onde as duas fazem um número improvisado para animar o estressado artista é simplesmente maravilhosa. E nada de glamour!

"All That Jazz" é isso, um musical realista e um dos responsáveis pela sobrevivência do gênero. Uma obra muito bem dirigida por Bob Fosse e com uma ótima edição, sem prolongar desnecessariamente as cenas que poderiam se tornar piegas.

Na década de 80 e 90 foram produzidos pouquíssimos musicais relevantes, apenas agora na virada do século é que houve uma nova injeção de ânimo e criatividade, com obras inspiradíssimas como "Moulin Rouge" e "Chicago" (com o glamour todo de volta), só nos resta esperar para ver se mais idéias criativas produzirão essas películas cantantes e dançantes que marcaram tanto a história de Hollywood, com suor e realismo ou não.

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