[Postado Por Gian] 'Os Desajustados' é um filme marcante por três motivos. Primeiro, ele foi o último filme da carreira de dois lendários artistas do cinema: Clark Gable e Marilyn Monroe. Segundo, ele é o filme que mostra a real capacidade de atuação de Monroe e terceiro, é um filme sólido com um tema bastante forte, principalmente para a época.
O filme dirigido pelo também lendário John Huston (O Tesouro de Sierra Madre, Relíquia Macabra) nos conta a história de Roslyn Taber (Monroe), uma linda mulher que acaba de separar do marido. Após o divórcio, ela e sua amiga Isabelle (Thelma Ritter) conhecem Gay Langland, um típico caubói mulherengo, sem emprego fixo e que caça cavalos selvagens para depois vendê-los aos fabricantes de comida de cachorro. Juntamente com Gay, as duas também conhecem um amigo do caubói, Guido (Eli Wallach) e finalmente outro caubói, Perce (Montgomery Clift), e assim, esse quarteto Monroe-Gable-Clift-Wallach passam a viver uma espécie de triângulo (ou quarteto?) amoroso.
'Os Desajustados' é antes de tudo um filme pessimista. Todas as personagens principais possuem um passado marcado por algo ruim: Roslyn se divorcia devido à indiferença do marido, Gay é separado da mulher e quase não vê os filhos, Guido é um ex-combatente de guerra que perdeu a mulher enquanto ela ainda estava grávida, e Perce é um caubói errante que não possui mais uma carinhosa relação com sua mãe depois da morte do pai. Por causa desses acontecimentos em suas vidas, as personagens estão em constante conflito interno, perdidas no mundo, o título do filme não poderia ser mais apropriado.
Escrito por Arthur Miller, o roteiro é praticamente a personificação da vida de Marilyn Monroe, sua mulher na época. A vida Roslyn se parece muito com a de Monroe, e quem conhece pelo menos um pouco a vida do maior ícone do Cinema, saberá que isso não é mera coincidência, Miller escreveu o papel especialmente para a esposa. Tanto Roslyn quanto Marilyn não tiveram a mãe por perto quando criança, na película dá-se a entender que a mãe de Taber vivia fora de casa por conta de um caso extra-conjugal (3 meses fora de casa é muito tempo para uma criança) e que seu pai fora ausente, já a mãe de Marilyn passou boa parte de sua vida internada em hospitais psiquiátricos, e ela nunca soube a verdadeira identidade do pai, o que levou a pequena Norma Jean a passar vários anos de sua vida em orfanatos. Ambas estão perdidas, Roslyn diz que não sabe o lugar ao qual pertence, e sua intérprete sempre dizia à imprensa que não pertencia a ninguém, apenas ao público (Norma Jean passou a vida toda tentando achar sua 'identidade', e quando se tornou Marilyn Monroe, essa questão se tornou ainda mais difícil); as duas também tiveram um casamento falido (no caso de Marilyn, dois) e por fim, Monroe tinha aversão ao mal tratamento de animais, assim como Roslyn.
Bastante diferente das louras burras que interpretou em filmes como "Os Homens Preferem as Loiras" e "O Pecado mora ao Lado", Monroe nos apresenta uma atuação primorosa, brilhante; talvez pelo fato da personagem ser tão parecida com ela, talvez pelo fato de que em 1961 Marilyn já tinha uma boa bagagem de trabalho, ou talvez pelas duas coisas. A razão realmente não importa, quando a vemos na tela, temos a certeza que Monroe conseguiu chegar aonde ela tanto almejava estar: no mesmo patamar de outras grandes atrizes, e com certeza ela teria ido mais longe, se não fosse pela sua morte prematura em 62. Com um visual mais 'desleixado' (se comparado a seus filmes anteriores) e um pouco mais gordinha (mas sem jamais perder seu natural sex appeal), seu olhar consegue exprimir com perfeição toda a angústia sofrida por Roslyn, mas ao mesmo tempo ela consegue abrir um sorriso, que como diz Gable: "parece que o sol acabou de aparecer". E Monroe era exatamente assim na vida real, sua mente sempre divida por uma linha tênue entre a tristeza e a felicidade, a tristeza vivida por Norma Jean Baker que a todo momento tentava apagar seu triste passado, e a alegria vivida por Marilyn Monroe, que tentou a todo custo mudar completamente de vida tal como mudou seu nome.
Marilyn Monroe não teve muita chance de mostrar do que realmente era capaz, ela já tinha estrelado um drama contundente no início de sua carreira, interpretando uma babá psicótica em 'Almas Desesperadas', apesar do seu bom desempenho, a Fox não aproveitou esse seu lado dramático, deixando-a na maioria das vezes com papéis cômicos (o que ela fez com muita competência, diga-se de passagem), mas por essa razão, ela não era considerada uma atriz que podia ser levada a sério. Marilyn sempre foi muito insegura, não acreditava em seu talento, isso era devido a vários fatores, além de sua falta de confiança natural, sua instrutora dramática, Nathasa Lytess, exercia uma forte pressão sobre ela, a musa só sentia que tinha se saído bem em alguma cena se obtivesse a aprovação de Lytess. Provavelmente essa consideração iria começar depois de 'Os Desajustados', depois que Marilyn já havia se 'livrado' da instrutora e sua confiança para atuar tinha crescido, mas então já era tarde demais.
Entretanto a obra não é só dela, Gable está ótimo como Gay (isso não é um trocadilho), sua personagem faz um ótimo par com a de Monroe, apesar de não ter um emprego ou lar fixo, ele vive tranquilamente, como Gay mesmo fala, ele simplesmente vive e é isso que ele quer que Roslyn sinta, a vida. Num diálogo entre Gay e Roslyn, ele diz: - Nunca vi uma moça tão triste, ela responde, rindo: - Engraçado, os homens sempre me falam ao contrário, e Gay diz: - É porque você os faz sentirem felizes; esse diálogo parece ter sido feito diretamente para Marilyn, Miller a conhecia muito bem, e conseguiu com proeza criar uma personagem baseada em sua esposa.
Montgmery também está muito bem como o caubói que não teme a morte, mas seu papel é um pouco ofuscado, talvez porque a trama se concentra mais no triângulo Roslyn-Gay-Guido. Wallach intrepreta com confiança um homem amargurado pela morte da esposa e pelo
sofrimento pelo qual se viu vítima quando estava na guerra (bombas são como mentiras, você as joga e tudo fica calmo). E destaque também para Thelma Ritter, com seu sotaque do Brooklyn, sua personagem salva o filme do completo pessimismo, cada fala sua é cheia de uma ironia deliciosa (ela já tinha nos deliciado com seus papéis em Janela Indiscreta e A Malvada, uma eterna coadjuvante).
No começo da crítica eu disse que o filme tinha um tema forte, e isso é devido principalmente a descontrução que se faz sobre a insituição do casamento. Roslyn e Gay são separados e a mãe de Perce mudou da água para o vinho depois da morte do marido e quando se casou pela segunda vez, apenas três meses depois (ela parecia uma santa, sempre ao lado do meu pai). Isabelle até comemora os aniversários de seu divórcio e diz que já testemunhou 77 separações, quando Roslyn conta o motivo pelo qual está se separando (eu sinto que ele está lá, mas não posso tocá-lo), ela responde com um tom irônico que se esse fosse o motivo de todo o casal se separar, restariam apenas 11 casais nos E.U.A.
E por fim, temos o grande John Huston, que filma a obra com uma grande habilidade, a cena da perseguição dos cavalos é magnífica, o controle que Huston tinha em cenas filmadas em locais abertos é impressionante (vemos esse controle também em "Uma Aventura na África). O último ato do filme é todo concentrado nessa perseguição que o trio Gay-Guido-Perce faz aos poucos cavalos selvagens que restam, numa paisagem árida, para o desespero de Roslyn. Essa perseguição representa o próprio desajustamento das personagens, tentando prender cavalos com cordas numa paisagem deserta, o espectador percebe que eles próprios estão, de alguma maneira, querendo ser 'amarrados', talvez numa vida mais tranquila.
Por fim, o filme ainda possui um tom macabro pelas personagens sempre estarem falando sobre a morte, em uma cena tocante e linda, Roslyn diz à Guido que as pessoas morrem sem ensinar nada uma às outras (e isso também é condizente com a vida de Marilyn, que passou momentos frustrantes quando as pessoas negligenciavam a sua inteligência), Gay diz que apenas quem tem medo de viver tem medo de morrer, e Guido, por causa da morte da esposa e da sua experiência com a guerra, também faz declarações sobre a dita cuja tão temida. Escrevo sobre esse tom macabro pois Clark Gable morreu onze dias depois do término das filmagens (ataque do coração), Monroe faleceu menos de um ano depois (deixando um filme incompleto), Clift viveu por apenas mais cinco anos e Thelma Ritter nos deixou em 1969.
Possuindo também uma bela fotografia, "Os Desajustados" é uma grande obra, provavelmente o melhor filme de Marilyn Monroe e também um dos melhores de John Huston, imperdível!
Curiosidade: Durante as gravações, Gable "brincava" dizendo que acabaria por morrer de infarto devido aos atrasos crônicos de Marilyn...
O filme dirigido pelo também lendário John Huston (O Tesouro de Sierra Madre, Relíquia Macabra) nos conta a história de Roslyn Taber (Monroe), uma linda mulher que acaba de separar do marido. Após o divórcio, ela e sua amiga Isabelle (Thelma Ritter) conhecem Gay Langland, um típico caubói mulherengo, sem emprego fixo e que caça cavalos selvagens para depois vendê-los aos fabricantes de comida de cachorro. Juntamente com Gay, as duas também conhecem um amigo do caubói, Guido (Eli Wallach) e finalmente outro caubói, Perce (Montgomery Clift), e assim, esse quarteto Monroe-Gable-Clift-Wallach passam a viver uma espécie de triângulo (ou quarteto?) amoroso.
'Os Desajustados' é antes de tudo um filme pessimista. Todas as personagens principais possuem um passado marcado por algo ruim: Roslyn se divorcia devido à indiferença do marido, Gay é separado da mulher e quase não vê os filhos, Guido é um ex-combatente de guerra que perdeu a mulher enquanto ela ainda estava grávida, e Perce é um caubói errante que não possui mais uma carinhosa relação com sua mãe depois da morte do pai. Por causa desses acontecimentos em suas vidas, as personagens estão em constante conflito interno, perdidas no mundo, o título do filme não poderia ser mais apropriado.
Escrito por Arthur Miller, o roteiro é praticamente a personificação da vida de Marilyn Monroe, sua mulher na época. A vida Roslyn se parece muito com a de Monroe, e quem conhece pelo menos um pouco a vida do maior ícone do Cinema, saberá que isso não é mera coincidência, Miller escreveu o papel especialmente para a esposa. Tanto Roslyn quanto Marilyn não tiveram a mãe por perto quando criança, na película dá-se a entender que a mãe de Taber vivia fora de casa por conta de um caso extra-conjugal (3 meses fora de casa é muito tempo para uma criança) e que seu pai fora ausente, já a mãe de Marilyn passou boa parte de sua vida internada em hospitais psiquiátricos, e ela nunca soube a verdadeira identidade do pai, o que levou a pequena Norma Jean a passar vários anos de sua vida em orfanatos. Ambas estão perdidas, Roslyn diz que não sabe o lugar ao qual pertence, e sua intérprete sempre dizia à imprensa que não pertencia a ninguém, apenas ao público (Norma Jean passou a vida toda tentando achar sua 'identidade', e quando se tornou Marilyn Monroe, essa questão se tornou ainda mais difícil); as duas também tiveram um casamento falido (no caso de Marilyn, dois) e por fim, Monroe tinha aversão ao mal tratamento de animais, assim como Roslyn.
Bastante diferente das louras burras que interpretou em filmes como "Os Homens Preferem as Loiras" e "O Pecado mora ao Lado", Monroe nos apresenta uma atuação primorosa, brilhante; talvez pelo fato da personagem ser tão parecida com ela, talvez pelo fato de que em 1961 Marilyn já tinha uma boa bagagem de trabalho, ou talvez pelas duas coisas. A razão realmente não importa, quando a vemos na tela, temos a certeza que Monroe conseguiu chegar aonde ela tanto almejava estar: no mesmo patamar de outras grandes atrizes, e com certeza ela teria ido mais longe, se não fosse pela sua morte prematura em 62. Com um visual mais 'desleixado' (se comparado a seus filmes anteriores) e um pouco mais gordinha (mas sem jamais perder seu natural sex appeal), seu olhar consegue exprimir com perfeição toda a angústia sofrida por Roslyn, mas ao mesmo tempo ela consegue abrir um sorriso, que como diz Gable: "parece que o sol acabou de aparecer". E Monroe era exatamente assim na vida real, sua mente sempre divida por uma linha tênue entre a tristeza e a felicidade, a tristeza vivida por Norma Jean Baker que a todo momento tentava apagar seu triste passado, e a alegria vivida por Marilyn Monroe, que tentou a todo custo mudar completamente de vida tal como mudou seu nome.
Marilyn Monroe não teve muita chance de mostrar do que realmente era capaz, ela já tinha estrelado um drama contundente no início de sua carreira, interpretando uma babá psicótica em 'Almas Desesperadas', apesar do seu bom desempenho, a Fox não aproveitou esse seu lado dramático, deixando-a na maioria das vezes com papéis cômicos (o que ela fez com muita competência, diga-se de passagem), mas por essa razão, ela não era considerada uma atriz que podia ser levada a sério. Marilyn sempre foi muito insegura, não acreditava em seu talento, isso era devido a vários fatores, além de sua falta de confiança natural, sua instrutora dramática, Nathasa Lytess, exercia uma forte pressão sobre ela, a musa só sentia que tinha se saído bem em alguma cena se obtivesse a aprovação de Lytess. Provavelmente essa consideração iria começar depois de 'Os Desajustados', depois que Marilyn já havia se 'livrado' da instrutora e sua confiança para atuar tinha crescido, mas então já era tarde demais.
Entretanto a obra não é só dela, Gable está ótimo como Gay (isso não é um trocadilho), sua personagem faz um ótimo par com a de Monroe, apesar de não ter um emprego ou lar fixo, ele vive tranquilamente, como Gay mesmo fala, ele simplesmente vive e é isso que ele quer que Roslyn sinta, a vida. Num diálogo entre Gay e Roslyn, ele diz: - Nunca vi uma moça tão triste, ela responde, rindo: - Engraçado, os homens sempre me falam ao contrário, e Gay diz: - É porque você os faz sentirem felizes; esse diálogo parece ter sido feito diretamente para Marilyn, Miller a conhecia muito bem, e conseguiu com proeza criar uma personagem baseada em sua esposa.
Montgmery também está muito bem como o caubói que não teme a morte, mas seu papel é um pouco ofuscado, talvez porque a trama se concentra mais no triângulo Roslyn-Gay-Guido. Wallach intrepreta com confiança um homem amargurado pela morte da esposa e pelo
sofrimento pelo qual se viu vítima quando estava na guerra (bombas são como mentiras, você as joga e tudo fica calmo). E destaque também para Thelma Ritter, com seu sotaque do Brooklyn, sua personagem salva o filme do completo pessimismo, cada fala sua é cheia de uma ironia deliciosa (ela já tinha nos deliciado com seus papéis em Janela Indiscreta e A Malvada, uma eterna coadjuvante).
No começo da crítica eu disse que o filme tinha um tema forte, e isso é devido principalmente a descontrução que se faz sobre a insituição do casamento. Roslyn e Gay são separados e a mãe de Perce mudou da água para o vinho depois da morte do marido e quando se casou pela segunda vez, apenas três meses depois (ela parecia uma santa, sempre ao lado do meu pai). Isabelle até comemora os aniversários de seu divórcio e diz que já testemunhou 77 separações, quando Roslyn conta o motivo pelo qual está se separando (eu sinto que ele está lá, mas não posso tocá-lo), ela responde com um tom irônico que se esse fosse o motivo de todo o casal se separar, restariam apenas 11 casais nos E.U.A.
E por fim, temos o grande John Huston, que filma a obra com uma grande habilidade, a cena da perseguição dos cavalos é magnífica, o controle que Huston tinha em cenas filmadas em locais abertos é impressionante (vemos esse controle também em "Uma Aventura na África). O último ato do filme é todo concentrado nessa perseguição que o trio Gay-Guido-Perce faz aos poucos cavalos selvagens que restam, numa paisagem árida, para o desespero de Roslyn. Essa perseguição representa o próprio desajustamento das personagens, tentando prender cavalos com cordas numa paisagem deserta, o espectador percebe que eles próprios estão, de alguma maneira, querendo ser 'amarrados', talvez numa vida mais tranquila.
Por fim, o filme ainda possui um tom macabro pelas personagens sempre estarem falando sobre a morte, em uma cena tocante e linda, Roslyn diz à Guido que as pessoas morrem sem ensinar nada uma às outras (e isso também é condizente com a vida de Marilyn, que passou momentos frustrantes quando as pessoas negligenciavam a sua inteligência), Gay diz que apenas quem tem medo de viver tem medo de morrer, e Guido, por causa da morte da esposa e da sua experiência com a guerra, também faz declarações sobre a dita cuja tão temida. Escrevo sobre esse tom macabro pois Clark Gable morreu onze dias depois do término das filmagens (ataque do coração), Monroe faleceu menos de um ano depois (deixando um filme incompleto), Clift viveu por apenas mais cinco anos e Thelma Ritter nos deixou em 1969.
Possuindo também uma bela fotografia, "Os Desajustados" é uma grande obra, provavelmente o melhor filme de Marilyn Monroe e também um dos melhores de John Huston, imperdível!
Curiosidade: Durante as gravações, Gable "brincava" dizendo que acabaria por morrer de infarto devido aos atrasos crônicos de Marilyn...
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